O médico da extensão de saúde da Boa Vista,
                concelho de Leiria, e a mulher, proprietária da farmácia
                Mendes, em Vermoil, Pombal, deverão começar a ser
                julgados segunda-feira pelos crimes de burla qualificada e falsificação
                de documento em co-autoria. O clínico responde ainda pelos
                crimes de abuso de poder e falsas declarações. 
                No despacho de pronúncia, o juiz de instrução
                criminal escreve que “o receituário emitido pelo
                arguido era uma das principais fontes de rendimento” daquela
                farmácia. Por exemplo, em Abril, Maio e Junho de 2001,
                a venda dos medicamentos prescritos nas receitas do médico
                constituiu cerca de um terço da facturação
                do estabelecimento.
                De forma a canalizar as receitas que passava na extensão
                de saúde ou no seu consultório privado para a farmácia
                Mendes, Belarmino M. “incutiu o hábito” junto
                dos utentes para que as deixassem “na sua disponibilidade”.
                Precisamente no seu carro, que ficava estacionado, com as portas
                destrancadas, nas imediações da extensão
                de saúde. O receituário era depois entregue pelo
                médico à mulher, que providenciava por o entregar
                aos utentes.
                Além desta situação, o casal planeou ganhar
                dinheiro à custa do Estado. O clínico, “para
                além das receitas médicas verídicas que
                emitiria nas consultas a doentes, também passaria a emitir
                outras que não corresponderiam a quaisquer consultas,
                das quais faria constar nomes de utentes do Serviço Nacional
                de Saúde e respectivos números de beneficiário,
                como se tivessem sido por si consultados”, lê-se
                na decisão instrutória. Nomes e números
                de beneficiário de utentes inscritos na sua consulta,
                mas também de outros que, “de modo não apurado”,
                Belarmino M. acedeu. Era certo, contudo, que a extensão
                de saúde estava ligada em rede informática ao centro
              de saúde Dr. Gorjão Henriques.
              Consultas fictícias. E terá sido assim que o médico,
                em 2001, emitiu receitas - quer as usadas na extensão
                de saúde, quer as utilizadas no seu gabinete privado -
                em nome de vários doentes que não consultou. Exemplos:
                a 15 de Abril de 2001, domingo de Páscoa, preencheu receitas
                em nome de utentes das unidades de saúde da Bidoeira de
                Cima, Colmeias e Caranguejeira. Colocou-lhes o código
                de barras e carimbou com o seu nome profissional, datou-as e
                assinou-as. De seguida, entregou as receitas à mulher
                para efeitos de ser obtida a comparticipação do
                Estado do preço de venda ao público dos medicamentos
                nelas prescritos. Maria M. limitou-se a colocar na receita as
                etiquetas correspondentes aos medicamentos e o carimbo da farmácia
                Mendes de forma a fazer crer que os fármacos tinham sido
                vendidos. Remeteu-as à Sub-região de Saúde
                de Leiria que pagou o valor da comparticipação
                estatal nos medicamentos. E este “modus operandi” processou-se
                com as restantes receitas.
                No dia 4 de Outubro de 2001, o médico foi internado no
                Hospital de Santo André, Leiria, situação
                que motivou que estivesse de baixa até 1 de Fevereiro
                de 2002. Mas neste período, “o arguido emitiu, no
                mínimo, 853 receitas” e “pelo menos” cinco
                eram fictícias: foram passadas na data em que o médico
                deu entrada no hospital.
                Ainda no período de convalescença, Belarmino M.,
                na posse de receitas e vinhetas utilizadas na extensão
                de saúde da Boa Vista, preencheu-as em nome de utentes
                que estavam inscritos na sua consulta, mas sem os consultar,
                refere o despacho de pronúncia, no qual se lê que
                foi uma consulta fictícia a desencadear o crime de falsas
                declarações. Um utente do Arrabal é “consultado” num
                sábado é-lhe “passada” uma receita
                da extensão da Boa Vista.
                Para encobrir este acto, o médico pediu a um utente seu,
                com o mesmo nome próprio e apelido que o cidadão
                do Arrabal, que confirmasse que “a mesma [receita] resultava
                de uma consulta que lhe havia feito”. Mas tal não
                convenceu o juiz que pronunciou o médico e um terceiro
                arguido - Joaquim C. - pelo crime de falsas declarações. 
                O juiz acredita que o casal conseguiu auferir, pelo menos, 1.354
                euros com este plano.